"O conhecimento é o mais potente dos afetos: somente ele é capaz de induzir o ser humano a modificar sua realidade." Friedrich Nietzsche (1844?1900).
 

Professora Gisele Leite

Diálogos jurídicos & poéticos

Textos


Entre Othelos e Desdêmonas

Na tragédia "Othelo", de Shakespeare, o assassínio de Desdêmona por Othelo é um exemplo emblemático de feminicídio, motivado pelo ciúme e pela manipulação de Iago. Iago, por inveja e vingança, incita Othelo a acreditar que Desdêmona é infiel, o que leva Otelo a um estado de violência e, consequentemente, a matar a sua esposa.

O assassínio de Desdêmona por Othelo é definido como um feminicídio, pois é o assassínio de uma mulher, no contexto de uma relação íntima, com base na violência de gênero e no preconceito de que ela teria traído o seu marido, sendo este um dos motivos que leva a prática do crime.

A Lei nº 13.104/2015 torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. É considerado feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.

O ciúme excessivo de Othelo, agravado pela manipulação de Iago, é o principal fator que leva ao feminicídio. Iago, por meio de mentiras e intrigas, consegue fazer com que Otelo acredite que Desdêmona é infiel, o que desencadeia a violência.

A tragédia de Othelo também pode ser analisada sob o ponto de vista da violência de gênero. A violência contra Desdêmona é uma manifestação do domínio e controle exercidos por Othelo sobre a sua esposa, baseado em estereótipos e preconceitos de gênero.

A tragédia de Othelo, com o crime de feminicídio, continua sendo um tema relevante para a discussão sobre a violência contra a mulher, a violência doméstica e a necessidade de combater o ciúme e a manipulação que podem levar a crimes violentos.

Em Othelo, o amor idealizado nascido entre ‘’um bárbaro errante’’ e ‘’uma veneziana sofisticada’’ enseja um casamento precipitado entre os dois, e é posto em xeque por Iago antes mesmo de se concretizar. Othelo, o Mouro de Veneza, não pode lutar contra seus instintos absolutos, característicos das culturas primitivas, agiu segundo suas convicções e indagações, sem em nenhum momento buscar ouvir a verdade, e primordialmente, ouvir sua amada Desdêmona. E assim, como os mais clássicos heróis trágicos nas obras de Shakespeare, aprende-se pelo sofrimento, Othelo tem então um momento de serenidade antes de sua morte.

No que tange a morte de mulheres, o Brasil está no quinto lugar entre os países com mais assassinatos. Em 10 (dez) anos, 50 (cinquenta) mil mulheres foram mortas, a cada dia 15 (quinze) mulheres, a cada hora e meia, 1 mulher sendo assassinada. A utilização de armas de fogo, faca e punhais, bem como diversos outros instrumentos cortantes, correspondem 84% dos casos.

Desdêmona é assassinada no seu quarto, dentro de sua casa, sendo possível analisar uma leitura simbólica da própria condição das mulheres. Conforme dados divulgado pelo IPEA, 40% dos casos de violência e mortes de mulheres, são realizados pelos próprios parceiros, inúmeras vezes dentro do próprio espaço conjugal.

A cada 17 (dezessete) horas, uma mulher morreu em razão do gênero em 2024 em nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Os dados apontaram um total de 531 vítimas de feminicídios no ano passado.

Em 75,3% dos casos, os crimes foram cometidos por pessoas próximas. Se considerados somente parceiros e ex-parceiros, o índice é de 70%.

No Rio de Janeiro, os casos de violência de gênero cresceram de 621 para 633 em um ano – aumento de 1,9%. Do total, 197 crimes foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Feminicídios e tentativas também registraram altos números: 63 e 261, respectivamente. Foram registrados 103 casos de violência sexual/estupro. Do total de 64 eventos violentos, 13 foram cometidos por agentes da segurança pública.

São Paulo é a única região monitorada com mais de 1 mil eventos violentos contra mulheres em 2024. Foram 1.177 casos, um aumento de 12,4% em relação ao ano anterior. A capital do Estado teve os maiores números de casos: foram 149, seguida de São José do Rio Preto, com 66, e Sorocaba, com 42. Entre as vítimas de violência com registro etário, 378 mulheres tinham de 18 a 39 anos – 422 não tiveram essa informação disponibilizada. Foram registrados 144 feminicídios no estado, sendo 125 cometidos por parceiros ou ex-parceiros.

Tradicionalmente, tanto as instituições quanto a própria cobertura midiática se voltam para a violência doméstica ou o ódio de gênero como as razões únicas dos assassinatos, deixando de fora as mortes de mulheres ocorridas em outros contextos criminais

Vivemos entre Othelos e Desdêmonas e a tragédia continua...

 

 

Referências

CAMPOS, Ana Cristina. Agência Brasil. A cada 17 horas, ao menos uma mulher foi vítima de feminicídio em 2024.

Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-03/cada-17-horas-ao-menos-uma-mulher-foi-vitima-de-feminicidio-em 2024#:~:text=Os%20dados%20apontaram%20um%20total,o%20%C3%ADndice%20%C3%A9%20de%2070%25 .

HELIODORA, Barbara. Grandes obras de Shakespeare. Tragédias. Liana de Camargo Leão, organização, Barbara Heliodora.

PLACHA, Priscila. O julgamento de Otelo O Mouro de Veneza. Direito e Literatura: edição comemorativa Shakespeare 400 anos.

 

 

 

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 01/06/2025
Alterado em 01/06/2025
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários



Site do Escritor criado por Recanto das Letras
 
iDcionário Aulete

iDcionário Aulete